Pesquisar este blog

sábado, 6 de setembro de 2014

Traduzir-se


Uma parte de mim
é todo mundo:

outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.


Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?

(Ferreira Gullar)

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Laugh At Me - (Sonny Bono)



Why can't I, be like any guy? 
Why do they try to make me run? 
Son of a gun, now. 

What do they care, about the clothes I wear? 
Why get their kicks from making fun, yeah 

This world's got a lot of space 
and if they don't like my face 
It ain't me that's going anywhere, no 

so I don't care 
Let 'em laugh at me 
If that's the fare 
I have to pay to be free 
then baby 
Laugh at me, and I'll cry for you 
and I'll pray for you 
and I'll do all the things that the man upstairs says to do 
I'll do 'em for you 
I'll do 'em 
I'll do 'em all for you 

It's gotta stop someplace 
It's gotta stop sometime 

I'll make sure that she's mine 
And maybe the next guy 
that don't wear a silk tie 
he can walk by and say "Hi" 
say, "Hi" 
instead of why 
instead of why 
instead of why babe 
instead of why 
what did I do to you 
I don't know what to do 

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Memória de Elefante


No seio misterioso da floresta indiana, vivia um caçador chamado Ky Shakhana.
Um dia ele avistou um pobre paquiderme deitado ali no chão, ferido, enorme, inerme.
Shakhana aproximou-se e, num sublime impulso, sentiu-lhe a febre ardente, então tomou-lhe o pulso,
Foi quando viu no pé do agônico elefante, a farpa que lhe causava a dor alucinante.
Rapidamente Ky num gesto habilidoso, logo extirpou-lhe o imenso espinho doloroso.
Depois, com agilidade e competência inata, vinte quilos de sulfa aplicou-lhe na pata.
Enrolou-lhe no artelho um band-aid gigante e por fim ministrou-lhe um galão de laxante.
Afastou-se o bichinho, feliz e curado, deixando do purgante o rastro almiscarado.
Muitos anos passaram. Já velho, Shakhana retomava alquebrado à sua cabana.
Mas eis que da floresta vem de supetão um elefante!
Pois vê nítido e claro, frente ao seu nariz, o band-aid em farrapos e a cicatriz.
O elefante sorri e olha com amor bem no fundo dos olhos do seu salvador, como se lhe dissesse com a pata no ar.”Ah! Me lembro de ti! Como não recordar…
Foi teu gesto gentil que salvou minha vida, aliviando-me a dor, me limpando a ferida!
Não existe elefante que disso se esqueça.
E depois, sutilmente, esmagou-lhe a cabeça.


Moral da história: 
A memória do animal, ninguém refuta,
Mas tem elefante que é filho da puta.



Vi esse poema no Jô Soares esses dias, e adorei... Vejam o link


domingo, 10 de agosto de 2014

ORAÇÃO DA MAÇANETA


ORAÇÃO DA MAÇANETA


Não há mais bela música
Que o ruído da maçaneta da porta
Quando o meu filho volta para casa.

Volta da rua, da vasta noite,
Da madrugada de estranhas vozes,
E o ruído da maçaneta e o gemer do trinco,
O bater da porta que novamente se fecha,
O tilintar inconfundível do molho de chaves,
São um doce acalanto, uma suave cantiga de ninar.

Só assim fecho os meus olhos,
Posso afinal dormir e descansar.

Oh! A longa espera, a negra ausência,
As histórias de acidentes e assaltos
Que só a noite como ninguém sabe contar!

Oh! Os presságios e os pesadelos,
O eco dos passos nas calçadas,
A voz dos bêbados na,
E o longo apito do guarda medindo a madrugada,
e os cães uivando na distancia,
e o grito lancinante da ambulância!

E o coração descompassado a pressentir
E a martelar, na arritmia do relógio do meu quarto
Esquadrinhando a noite e os seus mistérios.

Nisso na sala que se cala,
Estala a gargalhada jovem da maçaneta
Que canta a festiva cantiga de retorno.

E sua voz engole a noite
Com todos os ruídos secundários.

Oh! Os címbalos do trinco,
E os clarins da porta que se escancara,
E os guizos das muitas chaves que se abraçam,
E o festival dos passos que ganham as escadas!
Nem as vozes da orquestra, e o tilintar de copos,
E a mansa canção da chuva no telhado,
Pode se quer se comparar ao som da maçaneta que
Sorri quando meu filho volta para casa.

Que ele retorne sempre são e salvo,
Marinheiro depois da tempestade,
A sorrir, e a cantar,

E que na porta a maçaneta cante sempre
A festiva canção de retorno que soa para mim,
Como uma suave cantiga de ninar.

Só assim, só assim meu coração se aquieta,
Posso afinal dormir e descansar.

Gioia Jr

Feliz dia dos Pais...!!

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

A Felicidade (Vivaldo Coaracy - 91 Crônicas Escolhidas - 1961)



A Felicidade


Vês as amendoeiras e a sombra que derramam em volta?
Pois ali está a Felicidade: é aquilo.

Pára a cada uma dessas sombras que encontrares, enxuga o suor do rosto; goza a frescura da sombra; delicia-te com a amenidade da brisa; descansa.
Descansa e esquece a estrada.
Prolonga quanto puderes a parada.
Depois, terás que prosseguir, e seguirás.
Até que chegue a hora de voltar.
A Felicidade é isto.
Pequenos momentos, pequenas paradas, retalhos de sombra fresca na estrada isolada.
Aproveita-os todos, sempre que os encontrares no caminho.
E prolonga, enquanto for possível, o teu repouso nessas manchas de sombra convidativas.
Senta-te junto ao tronco e adormece.
Depois, quando seguires, esquecerás a sombra amiga onde terás colhido o beijo fugaz de Felicidade.
Mas irás encontrá-la de novo, à tua espera, debaixo doutra amendoeira mais adiante.
Não faças como eu fiz, que na sofreguidão de ir procurá-la onde ela não estava, não soube deter-me onde ela acenava.
E agora, na volta, à sombra das amendoeiras, só vejo a Saudade.